TÔ PREOCUPADO: não sei mais bater papinho. Por "papinho" entendo essa conversa amena que puxamos com colegas de trabalho diante da máquina de café, essas palavras inócuas que trocamos com conhecidos em festas e lançamentos de livros, na fila do cinema ou no corredor do supermercado.
Admito, sem falsa modéstia, que já fui um ás do papinho. Até outro dia, era capaz de fazer hábeis trocadilhos com o título do filme em cartaz ou do livro autografado; descolava, rapidamente, uma piada com cebolas, sabão em pó ou qualquer que fosse o produto na gôndola do mercado; numa roda, ia de Leonardo da Vinci a Leandro e Leonardo, sem jamais ficar chato ou deixar a peteca cair.
De uns tempos pra cá, contudo, algo mudou: paro diante de um conhecido, digo "oi, e aí, tudo certo?", e, quando o papinho deveria brotar, as palavras somem da minha boca, como se sugadas por um aspirador de pó.
Aconteceu pela primeira vez faz uns três meses. Entrei num restaurante e dei de cara com um escritor, a quem conheço por alto, mas cuja obra muito admiro. Parei diante do sujeito, o cumprimentei e, quando abri a boca para dizer qualquer bobagem, senti o vazio fungando em meu cangote. O escritor me olhava, esperando alguma palavra -afinal, quem chega é o responsável pela introdução do papinho-, mas minha mente era uma folha em branco.
Assustado, agindo por reflexo, tomei uma atitude que ainda não consigo compreender, mesmo já passadas tantas semanas. Dei um soquinho no peito do literato e disse: "Bom apetite!".
Que tipo de ser humano, em sã consciência, dá um soquinho no peito de outro e diz "bom apetite!"?! O Ronald McDonald talvez aja assim com uma criança, numa propaganda do McDia Feliz, mas não uma pessoa de verdade -muito menos conversando com um grande escritor. Arrasado, sentei numa mesa escondida, atrás de uma coluna, e fui roer o meu remorso. Mal sabia eu que era só o começo de minha paralisia social.
Dias depois, numa festa, encontrei um ex-colega da escola, hoje oftalmologista. Nos cumprimentamos, um segundo se passou, dois, três e, então, do fundo de minha estupidez, perguntei: "E a medicina, hein?". Céus, como ele poderia responder a tamanha cretinice? Faria um discurso começando com Hipócrates e terminando na última edição da "Scientific American"? Tentaria, quem sabe, uma abordagem filosófica, dizendo que a medicina é a mais inútil de todas as estratégias humanas para driblar a morte? Meu ex-colega, contudo, resolveu se vingar na mesma chave, disse apenas "vai indo, vai indo... E você, escrevendo muito?".
De lá pra cá, por medo de cair novamente num desses bueiros sociais, estou praticando uma espécie de chavão preventivo, que consiste em dar oi e engatar imediatamente num papinho sobre o tempo. Sei que é uma estratégia burra, quase como matar-se por medo da morte, mas antes abrigar-me no morno lugar comum da meteorologia do que, debatendo-me para escapar do abismo do silêncio, terminar dando soquinhos no peito de alguém ou perguntando por aí: "E a medicina, hein?", "E o direito cível, hein?", "E a mecânica dos fluidos, hein?".
Deus me livre.
quarta-feira, 1 de junho de 2011
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