quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Mensagem - Moacyr Scliar

Um Rei mandava cortar a cabeça dos mensageiros que lhe davam más notícias. Desta forma, um processo de seleção se estabeleceu: os inábeis foram sendo progressivamente eliminados, até que restou apenas um mensageiro no país. Tratava-se, como é fácil de imaginar, de um homem que dominava espantosamente bem a arte de dar más notícias. Seu filho morreu – dizia a uma mãe, e a mulher punha-se a entoar cânticos de júbilo: Aleluia, Senhor! Sua casa incendiou, – dizia a um viúvo, que prorrompia em aplausos frenéticos. Ao Rei, o mensageiro anunciou sucessivas derrotas militares, epidemias de peste, catástrofes naturais, destruição de colheitas, miséria e fome; surpreso consigo mesmo, o Rei ouvia sorrindo tais novas. Tão satisfeito ficou com o mensageiro, que o nomeou seu porta-voz oficial. Nesta importante posição, o mensageiro não tardou a granjear a simpatia e o afeto do público. Paralelamente, crescia o ódio contra o monarca; uma rebelião popular acabou por destituí-lo, e o antigo mensageiro foi coroado Rei. A primeira coisa que fez, ao assumir o governo, foi mandar executar todos os candidatos a mensageiro. A começar por aqueles que dominavam a arte de dar más notícias.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

E a bolsa masculina? - WALCYR CARRASCO

Vou a um encontro formal. Boto paletó e gravata. E começo a encher os bolsos: chaves, celular, caneta, cartões de crédito e de visita, carteira, documentos pessoais e do carro, talão, óculos de sol, lenço, iPod — ninguém é de ferro. Em minutos meu terno estufa. O botão do paletó não fecha por causa do celular. Meu traseiro fica quadrado devido aos documentos acomodados nos bolsos de trás. A calça, por causa do peso, escorrega pela barriga, que salta sobre o cinto! E minha elegância desaparece! Pior: dali a pouco tudo se confunde. Para achar algum desses itens, vasculho o interior de minhas roupas com os dedos. Vou pegar a caneta e retiro as chaves.

O vestuário masculino tornou-se obsoleto, essa é a verdade. As sortudas das mulheres têm as bolsas. A bolsa feminina equivale à caixa-preta do avião. Só se sabe o que há lá dentro após uma investigação minuciosa. São itens variados, que vão de maquiagem a tíquetes de passagens antigas e fotos de entes queridos amassadas. Mas é confortável. A proprietária de uma bolsa enfia o que quiser lá dentro. Resgata quando houver necessidade. Mesmo se for preciso espalhar o conteúdo no sofá. E, em casos extremos, chamar o Corpo de Bombeiros!

A bolsa masculina já esteve em moda. Não me refiro à época dos hippies barbudões com horrendos artefatos de couro cru e sandálias nos pés. Houve um tempo em que homens usavam bolsas elegantes. Recheadas de inutilidades, mas, apesar dessa contradição, úteis. Grandes grifes ainda produzem bolsas masculinas. Poucos as usam.

As pochetes são práticas, mas ganharam fama de cafonas. Confesso: tenho horror! Existe imagem mais brega do que a de um barrigudo com o botão aberto no umbigo e uma pochete estufada no cinto?

Os executivos preferem as pastas. Elas costumam oferecer compartimentos para laptop, documentos variados, bloco de notas, remédios, três ou quatro celulares, enfim... tudo! Tais quais as bolsas femininas, abrigam mistérios. Só são esvaziadas de tempos em tempos, diante de uma ameaça de divórcio, por exemplo. Com frequência, moscas, vespas e até aranhas secas são encontradas entre a papelada.

Pastas são sérias demais. Não combinam com um jeans informal, uma camiseta leve e tênis. E o pior: é muito fácil esquecê-las. Ou vê-las arrebatadas pelas mãos de um larápio. Hoje em dia, perder um laptop ou celular pode se transformar em prejuízo irremediável. Vão embora os contatos comerciais, endereços, enfim... a vida toda!

Alguns preferem mochilas. Executivo de terno e gravata com mochilinha de lona nas costas é uó. Livros, laptop, documentos, perfumes, desodorantes, cuecas limpas e até sujas no caso de viagens rápidas lutam para se acomodar dentro da lona. Eu já imagino: o executivo marca uma reunião com o presidente de um banco para pedir um empréstimo. Vai pegar o laptop para mostrar o projeto. E retira uma cueca, a escova e a pasta de dentes!

Os papas da moda masculina vivem discutindo o número de botões de paletós, a largura das lapelas, se as barras são para dentro ou fora. Redesenham relógios que se tornam cada vez mais inúteis em um mundo onde se veem as horas no celular. Mas ninguém propõe uma solução radical para a roupa do homem.

A volta da bolsa é apenas um item. Enquanto a moda feminina evolui e se transforma a cada ano, a masculina marca passo. Olho as vitrines dos shoppings e tudo é semelhante ao ano passado. Fico pensando: quando algum estilista oferecerá uma mudança radical, capaz de fazer a cabeça de todos nós e tornar o traje masculino realmente prático e confortável?

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

O rosto na multidão - CARLOS HEITOR CONY


Tudo bem, cada um se diverte e se glorifica como quer. A mania agora é fuçar fotos do passado, sobretudo as das passeatas de 1968, documentadas à farta pelos bons profissionais do ramo. Apesar de farta, a oferta foi menor do que a procura, não deu para todo mundo deixar registro na história nacional. Mesmo assim, descontando os que morreram por isso ou por aquilo, é difícil encontrar um cidadão maior de 40 anos que não tenha dado sua contribuição heróica à luta contra a ditadura.
Parece um pouco com o caso dos figurantes dos filmes do Glauber. Volta e meia esbarro com um cara que garante ter feito figuração em tal filme -e, neste particular, minha glória particular é ter tido um irmão que, sem querer, fez figuração num filme de Hitchcock ("Notorius") que tem cenas passadas aqui no Rio. Cary Grant e Ingrid Bergman estão sentados na Cinelândia, tomando coco por canudinho, ali mesmo no Amarelinho, gente passando pra lá e pra cá. De repente, surge meu irmão, que estava indo para a Faculdade de Medicina, tomava o bonde ali perto, no Tabuleiro da Baiana. A cena é rápida, mas deu para consagrar a família.
Bem verdade que o Janio de Freitas e o Ruy Castro viram o filme 247 vezes para me desmentirem, mas, nos fastos familiares, ninguém nos tira essa glória.
Voltando às fotos da passeata. Não me procuro entre os heróis daquele tempo. Não participei de nenhuma delas, metade por preguiça, metade por ser militante do único partido que me interessa, o do "Eu Sozinho".
Quando chegar ao inferno (este dia não está tão longe assim), pedirei a Satanás um único favor: o de me dar uns gravetinhos e uma caixinha de fósforos para fazer a minha fogueirinha particular, onde purgarei meus pecados. Sozinho e mal-acompanhado.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Violência virou problema de Estado-Maior - Arnaldo Jabor


Sempre que escrevo sobre a violência me dá uma sensação de inutilidade. Quando vejo os movimentos de solidariedade, bandeiras brancas, pombas da paz, atores nas ruas, burgueses falando em cidadania, me dá uma sensação de perda de tempo.
Nós tratamos os criminosos como se fossem “desviantes” de nossa moral, como gente que se “perdeu” da virtude e caiu no “pecado”, no mundo do crime. Não é nada disso. Eles são os novos empregados de uma multinacional. O único emprego que lhes foi oferecido no último século: a megaempresa da cocaína. Ela trouxe o poder sobre as comunidades que, somado à ignorância e à miséria, criou a crueldade sem limites, à bruta guerra animalesca. Os bandidos violentos são quase uma mutação da “espécie social”, fungos de um grande erro sujo do qual nós somos cúmplices.
Hoje, nós é que ficamos caretas diante deste mundo periférico que não se explica, gerando outra ética, funérea, sangrenta. A miséria armada é uma outra nação, no centro do Insolúvel. Essa gente era anônima; estão ganhando notoriedade na mídia. São vazios objetos de uma corrente de pó; nós, pequenos burgueses, é que víamos neles uma vaga consciência “política” de marginais. Achamos até que eles querem calar a imprensa. Nada. Mataram por matar, chamaram o Tim de X-9 e “já era” – disseram eles.
Nós é que estamos lhes fornecendo uma “ideologia”. Mas, não quero ficar deitando sociologia barata sobre a violência. Quem sou eu? Mas, vejo com um mínimo de bom senso que os vilões também somos nós. Eles são a prova de nosso despreparo. Os incapazes somos nós, ainda crentes de leis inúteis, coerções superadas, de polícias falidas. Nós não fizemos nada quando as favelas eram pequenas. A miséria era dócil – podia ser ignorada. Agora, se não agirmos, isso vai virar uma endemia eterna. A lei não consegue nem instalar anti-celulares nas cadeias e fica encenando comboios para a mídia, com cem policiais para levar o Beira Mar para outra cadeia.
Ninguém consegue resolver nada porque os instrumentos de defesa pública estão engarrafados numa rede de burocracias, fisiologismos, leis antigas, velhos conceitos que são facilmente superados pela eficiência “pós-moderna” dos bandidos, diretamente ligados ao ato, ao fato, à instantaneidade do mal e sem freios éticos. Eles têm a mesma vantagem dos terroristas. Muito lero-lero racionalista ocidental, ciência, democracia e, aí, chega um arabezinho maluco com uma bomba e arrasa o shopping center.
Eles são uma empresa moderna. Nós somos o Estado ineficiente. Eles agilizam métodos de gestão, são rápidos e criativos. Nós somos lentos e burocráticos. Eles lutam em terreno próprio. Nós, em terra estranha. Eles não temem a morte. Nós morremos de medo. Eles são bem armados. Nós, de “trêsoitão”.
Eles ganham muita grana. (Um “aviãozinho” de 15 anos ganha mais por semana que um PM por mês.) Eles estão no ataque. Nós, na defesa... Nós nos horrorizamos com eles. Eles riem de nós. Nós os transformamos em superstars do crime. Eles nos transformam em palhaços. Eles são protegidos pela população dos morros, por medo ou vizinhança. Nossas polícias são humilhadas e ofendidas por nós.
Ninguém suborna bandido. Eles compram policiais mal pagos. Um que ganha 700 paus por mês não tem ânimo para combater ninguém. Eles não esquecem da gente nunca, pois somos seus fregueses. Nós esquecemos deles logo que passa uma crise de violência.
A droga e as armas vêm de fora. Eles são globais. Nós somos regionais. Alguma vitória só poderá vir se desistirmos de defender a “normalidade” de nosso sistema, pois não há mais normalidade nenhuma; precisamos de uma urgente autocrítica de nossa ineficiência. O combate ao crime passa pelo combate ao nosso descaso e incompetência. A luta contra o tráfico, é óbvio, começa lá longe, nas fronteiras. Por lá entram as armas e o pó. Não adianta subir e descer de morros. Temos de fechar as fronteiras.
A luta contra o crime não é mais uma luta policial; não é mais a Lei contra o Pecado. Não. O crime cresceu tanto que se tornou um problema de Estado-Maior. Sim. Trata-se uma luta política e, mais que isso, uma luta policial militar. Acho que tem de haver sim uma séria articulação das Forças Armadas com as polícias. Tem de haver generais estudando estratégias e logísticas de cercos e ataques. Meses de estudo, planos secretos, dinheiro, muito dinheiro e milhares de homens com armas modernas. E tudo isso coordenado com campanhas de esclarecimento e de proteção às comunidades que eles “protegem”.
“Ahh... – alguns vão gritar – o Exército não foi treinado para isso!” Pois, que seja treinado. Trata-se de uma guerra. Ou não? Não combateram a guerrilha urbana, com implacável ferocidade e competência?
Aposto que outros dirão: “O Exército não é para crimes comuns; é para guerras maiores...” Para quê? A invasão da Argentina? A guerra que se anuncia é subversiva no pior sentido. Não aspira a uma ordem nova. Só quer uma vingança obtusa e a manutenção da miséria como refúgio. No fundo, muitos não admitem a ação das Forças Armadas, porque desejam ocultar a derrota de um sistema legal e policial.
Pois que seja. Nosso fracasso tem de ser assumido. Do contrário, continuaremos atrás das grades de nossos condomínios, dizendo: “Que horror!” para sempre.
Crime hediondo é que isto não seja uma prioridade nacional. A tragédia das periferias brasileiras me lembra um terremoto ignorado, para o qual ninguém enviou patrulhas de salvamento. Já houve a catástrofe e todos nós tentamos esquecê-la, trêmulos de medo, blindados, com os “socilites” cheirando o pó molhado de otários, perpetuando esse poder paralelo, que tende a crescer.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Novela "Gabriela" é mais feminista que o livro - Tony Goes

Finalmente tomei vergonha na cara e resolvi ler "Gabriela, Cravo e Canela", o mais famoso romance de Jorge Amado. Óbvio que fui estimulado pela nova versão televisiva da obra. Antes eu já tinha visto a novela de 1975 e também o filme de 1983, dirigido por Bruno Barreto. Agora as diferenças entre a história no papel e nas telas estão ficando claras para mim.
O drama de Lindinalva, por exemplo, só existe na TV. A moça de família que acaba se prostituindo é uma invenção de Walcyr Carrasco. Aliás, o próprio cabaré Bataclan não tem no livro a importância que ganhou nas duas adaptações da Globo.
Os tempos são diferentes: no romance, dona Sinhazinha e o doutor Osmundo são assassinados no mesmo dia em que Nacib contrata Gabriela. As fisionomias também: Jorge Amado descreve a esposa adúltera do coronel Jesuíno como "morena, mais para gorda", algo bem distante do biótipo de Maitê Proença.
Mudanças como essas são normais e até necessárias na transposição de um veículo para o outro. Mas um aspecto me chamou a atenção: a "Gabriela" que está no ar carrega nas tintas feministas, muito mais que a do texto original.
Não que esta preocupação não surja nas páginas de Jorge Amado. "Gabriela, Cravo e Canela" foi o primeiro livro que ele escreveu depois de se desfiliar do Partido Comunista, mas os ideais igualitários do autor continuavam intocáveis.
Também foi seu primeiro livro com nome de mulher, abrindo o caminho para Dona Flor, Teresa Batista e Tieta do Agreste. 
 Assim como na TV, Gabriela não é a protagonista absoluta do romance. Amado pinta um panorama riquíssimo da Ilhéus dos anos 20, com dezenas de tramas paralelas e distintos pontos de vista. Esta complexidade foi bem traduzida tanto na novela de Walter George Durst, de 75, quanto na atual (já no filme, nem tanto).
Mas a luta pelo controle político da cidade caiu para segundo plano na telinha. O embate entre o velho e o novo, representado por Ramiro Bastos e Mundinho Falcão, ainda não começou para valer.
O que predomina são as narrativas de opressão da mulher. Jerusa, Lindinalva, Sinhazinha, Glorinha, as quengas, todas elas sofrem, em diferentes graus, sob o jugo machista que vigorava na época. Só duas personagens femininas são razoavelmente livres: Malvina (a liberdade do intelecto) e a própria Gabriela (a liberdade do corpo).
É uma traição a Jorge Amado? Não, é só uma adaptação, talvez inevitável. Todas as novelas de hoje em dia pendem para a mulherada, que ainda compõe a maior parte de seus públicos.
Além disto, o processo de emancipação da mulher está longe de acabar. Apesar dos avanços, elas ainda ganham menos que os homens e não tem os mesmos direitos no amor e no sexo. Enquanto ainda houver preconceito, a discussão na TV é sempre bem-vinda.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

O que faz bem pra saúde? - Luis Fernando Veríssimo

Cada semana, uma novidade.
A última foi que pizza previne câncer do esôfago.
Acho a maior graça.
Tomate previne isso, cebola previne aquilo, chocolate faz bem, chocolate faz mal, um cálice diário de vinho não tem problema, qualquer gole de álcool é nocivo, tome água em abundância, mas peraí, não exagere...
Diante desta profusão de descobertas, acho mais seguro não mudar de hábitos.
Sei direitinho o que faz bem e o que faz mal pra minha saúde.
Prazer faz muito bem.
Dormir me deixa 0 km.
Ler um bom livro faz eu me sentir novo em folha.
Viajar me deixa tenso antes de embarcar, mas depois eu rejuvenesço uns cinco anos.
Viagens aéreas não me incham as pernas, me incham o cérebro, volto cheio de idéias.
Brigar me provoca arritmia cardíaca.
Ver pessoas tendo acessos de estupidez me embrulha o estômago.
Testemunhar gente jogando lata de cerveja pela janela do carro me faz perder toda a fé no ser humano.
E telejornais os médicos deveriam proibir - como doem!
Essa história de que sexo faz bem pra pele acho que é conversa, mas mal tenho certeza de que não faz, então, pode-se abusar.
Caminhar faz bem, dançar faz bem, ficar em silêncio quando uma discussão está pegando fogo faz muito bem: você exercita o autocontrole e ainda acorda no outro dia sem se sentir arrependido de nada.
Acordar de manhã arrependido do que disse ou do que fez ontem à noite é prejudicial à saúde.
E passar o resto do dia sem coragem para pedir desculpas, pior ainda.
Não pedir perdão pelas nossas mancadas dá câncer, não há tomate ou muzzarela que previna.
Ir ao cinema, conseguir um lugar central nas fileiras do fundo, não ter ninguém atrapalhando sua visão, nenhum celular tocando e o filme ser espetacular, UAU!
Cinema é melhor pra saúde do que pipoca.
Beijar é melhor do que fumar.
Exercício é melhor do que cirurgia.
Humor é melhor do que rancor.
Amigos são melhores do que gente influente.
Pergunta é melhor do que dúvida.
Tomo pouca água, bebo mais que um cálice de vinho por dia, faz dois meses que não piso na academia, mas tenho dormido bem, trabalhado bastante, encontrado meus amigos, ido ao cinema e confiado que tudo isso pode me levar a uma idade avançada.
Sonhar é melhor do que nada.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Assim não dá, Deputado! - Sírio Possenti

Um ditado popular diz que pelo dedo se conhece o gigante. Acho que não há, mas deveria haver, um ditado desse tipo com conotações negativas análogas, algo como "pela orelha se conhece o burro", assim como há o prêmio Ig-Nóbil, o avesso do Nobel, para "premiar" pesquisas esquisitas, e o Prêmio Santa Clara, que os colunistas de cultura atribuem aos piores programas e apresentadores da TV brasileira (as explicações dos jurados, às vezes, merecem o prêmio que concedem...). Mas não há um ditado com alcance negativo genérico, talvez porque seja mais difícil dar conta de todos os defeitos em que a humanidade se especializou do que de suas virtudes. Não há, mas devia haver. Se houvesse, e se eu pudesse opinar, ele iria para o deputado Aldo Rebelo. Ele tem tudo, aliás, para ser hors concours. É que ele não acerta uma quando se trata de língua. Explico.
No dia 02/02/2008, o colunista esportivo José Geraldo Couto escreveu na Folha de S.Paulo sobre a enorme quantidade de jogadores de futebol que tem nome estrangeiro, especialmente de origem anglo-americana - apesar de um ou outro Jean ou Pierre ou Juan. A certa altura, disse que podia parecer que estava engrossando o coro dos que, como o deputado Aldo Rebelo, querem defender a "pureza" da língua pátria. Mas que não era nada disso.
Alguns dias depois, o jornal publicou carta do deputado, que se queixava de ter entrado na coluna de Couto como Pilatos no Credo. É que seu projeto não diz nada sobre nomes estrangeiros, até porque, acrescenta, já são proibidos pelo Formulário Ortográfico (!).
José Geraldo dava especial destaque ao que chamou de processo de canibalização ao qual os nomes estrangeiros têm sido submetidos. Alain vira Allan, David vira Deivid, Michael vira Maicon, Holliwood vira Oliúde. Sem contar que a vida às vezes frustra o imaginário dos pais, já que, por exemplo, Ebert William Amâncio virou simplesmente Betão e Wanderson de Paula Sabino é conhecido como Somália.
Pois foi sobre isso que o deputado resolveu opinar. Escreveu que aquilo que o colunista chama de canibalização "nada mais é do que o aportuguesamento a que deveria ser submetida toda palavra estrangeira que entra em nosso idioma, com exceção dos sobrenomes. É por isso que chamamos o herói suíço de Guilherme, e não de Wilhelm Tell. Coisa nossa? Os espanhóis dizem Guillermo, os franceses, Guillaume, os italianos, Guglielmo".
A declaração tem dois problemas. Um é leve, poderia até ser esquecido, mas um pouco de precisão faz bem. Espanhóis, franceses e italianos não dizem Wilhelm das formas como o deputado acha que dizem: eles escrevem assim o nome equivalente na sua língua. As pronúncias são um pouco diferentes, e até variáveis. Guillermo, por exemplo, pode ser pronunciado pelo menos "guijermo" (pelos portenhos) e "guilhermo" (na pronúncia castelhana "padrão").
Mas o diabo é que Rebelo mencionou Maicon como exemplo.
Não dá, deputado. Pelo seu critério, o "aportuguesamento" de Michael deveria ser o velho e bom Miguel: se Wilhelm equivale a Guilherme, Michael equivale a Miguel. Elementar.
Para a grafia Maicon, o termo "canibalização" é bem mais adequado (lembremos que Patrícia Mello chamou Máiquel a seu herói em O matador). Se alguém decidisse aportuguesar Wilhelm seguindo os critérios adotados para "aportuguesar" Michael por Maicon, Giovanni por Geovane, Charles por Tiarles e Jefferson por Djiefferson etc., a solução não seria Guilherme, como o deputado afirmou, mas Wilirrelme ou Wilirreume ou Wilirrelmi ou Wilerreu(l)me(i) (etc., que a criatividade de pais e tabeliães é quase infinita).
Possivelmente, algum deles preferiria que o nome incluísse um "y", quem sabe até dois, e "ll" duplos, e acabaríamos tendo Wyllyrrelme(i) . Se o sobrenome fosse incluído no pacote, a escolha seria Tel ou Teo ou Teu, quem sabe mesmo Thew - e talvez com acento. Não seria surpreendente que o nome fosse dividido em dois, e que sua recriação desse em Wylly Relme ou Villi Helme - ou em uma das outras variantes possíveis para "ii" e "ll"...
Enfim, o menino precisaria de muita sorte ou o tabelião de um bom almanaque, para que a opção fosse o óbvio Tell.
Não, não vou aproveitar o espaço para reclamar dos que escrevem meu sobrenome com "e", Possente. Apenas lhes rogo uma praga...
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Nomes próprios são um capítulo à parte, claro, mas Rally Dacar na América do Sul não é mais ou menos como Rock in Rio em Lisboa?
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Palavras estrangeiras costumam enganar jornalistas e outros -istas. Os esportivos costumam referir-se a um torcedor italiano como sendo um tifosi, sem sacar que esse "i" é marca de plural. O mesmo fazem os que cobrem fofocas e qualificam um fotógrafo de paparazzi. Ora, um fotógrafo é um paparazzo, como um torcedor é um tifoso.
No caderno de informática do Correio Popular de 11/02/2007, a manchete é "descubra se você é um heavy users" (sic!). Depois falam do Lula...