quarta-feira, 5 de março de 2008

Um presente - DANUZA LEÃO

DIA SIM, DIA NÃO, eu, que moro no Rio, ando na Lagoa durante uma hora. Andar é uma mania dos cariocas, para conservar a saúde.

Meu horário é seis da tarde, mas nesse último mês tem sido difícil. Os dias amanhecem lindos, ensolarados, céu azul, mas a partir das três horas o céu começa a ficar cinza, e daí a pouco começa a chover. Um verão atípico, pois isso tem acontecido quase todos os dias. Na última segunda-feira, quando desci para andar, o céu era um chumbo, e fiquei na dúvida: vai ou não chover? Perguntei a meu porteiro, ao do edifício ao lado, os dois me tranqüilizaram: não, não vai chover. Acreditei, e lá fui eu.
Quando cheguei à Lagoa, o tempo estava meio estranho: olhando para o lado da Barra, céu azul e sol. Do outro lado, nuvens negras anunciavam um temporal.
Como eu já estava indo, resolvi apostar no melhor e comecei a andar. Uns 800 metros depois caiu uma chuva daquelas, mas daquelas mesmo. Dizem que o mundo é dividido entre os que usam e os que não usam guarda-chuva e sou das que acham a chuva uma delícia, sobretudo quando está fazendo calor; mas aquela era demais. Para piorar a situação, tinha ido ao cabeleireiro e feito uma escova naquela manhã, e se meu cabelo molhasse seria uma catástrofe. Mas não havia nada a fazer, a não ser esperar. Sentei num banco debaixo de uma árvore, rezando para a chuva passar. Enquanto esperava, olhei o céu: a mesma coisa. De um lado sol, do outro lado chuva. Foram 15 ou 20 minutos difíceis: se decidisse voltar para casa, ia ficar encharcada. Quanto tempo ainda duraria aquela tortura?
A chuva, daquelas bem de verão, passou. As últimas gotas ainda caíam quando voltei a andar, e quando olhei para o céu, o milagre: um arco-íris. Na verdade não é um milagre, é um fenômeno explicado pela ciência e que acontece às vezes, mas que é tão lindo, mas tão lindo, que é difícil de acreditar que esteja mesmo acontecendo. O enorme arco-íris ligava um morro a outro.
Existem alguns arco-íris que são meio pela metade, e com cores meio desbotadas. Mas aquele era tão lindo, tão inteiro, tão perfeito, que parecia feito a compasso; as cores vivas, nítidas, belas, um verdadeiro presente da natureza -e que presente.
Na volta, comecei a prestar mais atenção ao caminho que faço todos os dias, automaticamente. Algumas árvores haviam florescido e as flores estavam caídas no chão, dando a impressão de serem tapetes amarelos.
E havia outras, nas quais nasce, no tronco, um tipo de flor em vários tons de vermelho; vi turistas estrangeiros maravilhados, pegando as flores, provavelmente para levar para seus países, de lembrança. Elas eram lindas, e eu nunca havia notado que existiam.
Quando fiz o caminho de volta, o sol continuava a brilhar, e voltei para casa feliz; mais feliz do que se tivesse ido a qualquer museu e visto as mais lindas obras de arte.
Feliz e pensativa; como conheço razoavelmente a natureza humana -a minha, sobretudo-, não será impossível que em uns meses, quando estiver fazendo o mesmo percurso, no lugar de prestar atenção nas montanhas, na luz, que muda a cada dia, nas flores, que podem ter caído ou estarem enfeitando as árvores, esteja distraída e tensa, pensando que é hora de declarar o imposto de renda, ou no inevitável novo escândalo que acontecerá no país.
E isso -quando e se acontecer- será muito melancólico.

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