Em matéria de violência, já vi de tudo em Ipanema, ou achava que já tinha visto. Já encontrei bala perdida no terraço (felizmente estávamos viajando); ajudei a socorrer uma moça atingida por tiro num assalto na porta de casa; presenciei a banca de jornais em frente ser roubada pela oitava vez e o dono, Seu Vieira, ser baleado (Graças a Deus escapou, e passou o negócio); corri de arrastão e assisti numa manhã típica de Bagdá pessoas procurando se esconder ou se jogando no calçadão e na areia para se livrarem de um tiroteio. Mas o que aconteceu domingo de madrugada, isso foi inédito: um corpo no porta-malas de um carro na minha calçada, em uma das principais ruas do bairro, a 50 metros de uma viatura da PM ali estacionada. Ipanema, um dos mais altos IDHs da cidade, o mítico e hedonista cartão-postal do Rio, virar ponto de desova é demais. Sou do tempo em que essa prática sinistra já existia, mas os bandidos tinham mais respeito pelos mortos, eram menos acintosos, buscavam lugares distantes, ermos, não em frente ao prédio em que morou Vinicius de Morais, ele mesmo, o da Garota de Ipanema. Imagino como Tom Jobim recebeu a notícia de que aquele seu paraíso virou lugar de desova de corpos executados.
Por que achar que Ipanema, pelos seus belos olhos, estaria a salvo, posto que nenhum bairro está hoje imune à barbárie? Não é ingenuidade nem pretensão, é que a gente se choca mais com o que acontece no seu próprio quintal, na sua calçada. Por questão de minutos, eu quase assisti a mais essa cena, ao chegar um pouco antes de um jantar com amigos. Por isso, entendi o desabafo da leitora Ângela de Almeida. "Fomos vizinhos durante anos e até nos cumprimentávamos, mas nunca tivemos ocasião de conversar", disse ela num e-mail indignado em que explicava porque se mudara daqui. Queria sossego. "Havia me cansado das Bandas, Raves e da guerra constante entre nós, os contribuintes, e a desordem urbana". Mudou-se então para o Jardim Oceânico, onde achava ter encontrado "paz e passarinhos", e onde "não escutava mais o carnaval de rua". Até que abriu o jornal na segunda-feira e viu a notícia do corpo deixado na rua em que morou e de dois assassinatos na Avenida das Américas, "agora perto de mim".
Não adianta fugir. Houve uma época não muito distante em que se dizia: "na Barra não tem assalto". Segundo ela, a Barra e o Recreio agora saíram do mapa do governo e da polícia. "Todos corremos risco como em Gaza, como no Iraque, e dizem ainda que não estamos em guerra". Os filhos de Ângela lhe ensinaram que "viver com medo é viver pela metade". O problema é que "até eles agora estão assustados". Ela pergunta se o nosso destino é "viver só um pouquinho. Existe algum alento? Até quando nossos governantes vão fechar os olhos?". Com a resposta os governantes.
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