quinta-feira, 31 de maio de 2007

O pai-nosso e o vigário - CARLOS HEITOR CONY

Chega a ser monótono: em vésperas de Copa do Mundo, o Brasil tem 180 milhões de técnicos de futebol (o número exato varia de acordo com o aumento da população). Cada qual tem o seu time e a sua tática de jogo. A abundância de técnicos não prejudica, pelo contrário, tem dado certo: somos pentacampeões.
Seria exagero dizer, a propósito da visita de Bento 16, que somos 180 milhões de papas, cada qual com uma visão doutrinária e pragmática mais de acordo com a realidade do tempo e das bossas novas que se sucedem, modernizando gostos e comportamentos.
Nunca tentei ser técnico de futebol, aceito de má vontade aqueles que a CBF indica, torço moderadamente por eles, mas nunca tive a audácia de escalar um time ideal. O mesmo não acontece com o papado. Fui seminarista, e tinha uma tia carola que me via padre, bispo, cardeal e papa. Evidente que as minhas possibilidades eram remotíssimas, nem a padre cheguei, fiquei agnóstico aos 20 anos e passei a me preocupar com outras coisas mais ligadas ao diabo, ao mundo e à carne, que, pela voz dos meus padrinhos, eu jurara renunciar quando fui batizado, aos dois meses de idade.
De qualquer maneira, admiro todos aqueles que pretendem ensinar o pai-nosso ao vigário de plantão. Uns pelos outros, repetem os mesmíssimos conselhos, detentores que são do mapa da mina que resolve todos os problemas, não apenas do catolicismo, mas da humanidade em geral.
É lastimável que só haja um papa, ainda mais conservador, comprometido com uma doutrina de trevas, em confronto com o mundo moderno e suas conquistas. Se, por um absurdo da história e da minha biografia, eu chegasse a papa, contrataria um instituto de pesquisa para saber o que deveria pensar e ensinar.

segunda-feira, 21 de maio de 2007

Presença de Clarice - Ferreira Gullar

MEU primeiro encontro com Clarice Lispector foi numa tarde de domingo na casa da escultora Zélia Salgado, em Ipanema, creio que em 1956. Eu havia lido, quando ainda vivia em São Luís, o seu romance "O Lustre", que me deixara impressionado pela atmosfera estranha e envolvente, mas a impressão que me causou sua figura de mulher foi outra: achei-a linda e perturbadora. Nos dias que se seguiram, não conseguia esquecer seus olhos oblíquos, seu rosto de loba com pômulos salientes.
Voltei a encontrá-la, pouco tempo depois, no "Jornal do Brasil", durante uma visita que fez à redação do "Suplemento Dominical". Conversamos e rimos, mas não voltamos a nos ver num espaço de uns dez anos. De fato, só voltei a encontrá-la logo após voltar do exílio, em 1977. Ela ligou para minha casa: queria entrevistar-me para a revista "Fatos e Fotos", para a qual colaborava naquela época.
Clarice já era então uma mulher de quase 60 anos, marcada por acidente que resultara em sérias queimaduras que lhe deixaram marcas na mão direita. Já quase nada tinha da jovialidade de antes, embora continuasse perturbadora em sua natural dramaticidade. Depois de ouvir dela algumas palavras carinhosas, decidi revelar-lhe como me fascinara em nosso primeiro encontro.
-Você era linda, tão linda que saí dali apaixonado.
-Quer dizer que eu "era" linda?
-E ainda é, apressei-me em afirmar..
Terminada a entrevista, despedimo-nos carinhosamente, mas no dia seguinte ela ligou de novo. Queria encontrar-me para conversar. Fui até sua casa, no Leme, e de lá fomos caminhamos até a Fiorentina, que ficava perto.
Lembro-me que Glauber Rocha, vendo-nos ali, veio sentar-se em nossa mesa e começou a elogiar o governo militar. Clarice me olhava para com espanto, sem entender. Ele, depois daquele discurso fora de propósito, mudou de mesa.
-Ele veio provocar você, disse Clarice. Com que intenção falou essas coisas?
-Glauber agora cismou de defender os milicos. É piração.
Depois dessa noite, voltei a vê-la num encontro que ela promoveu em sua casa com alguns amigos, entre os quais Fauzi Arap, José Rubem...
Foi a última vez que a vi. A roda-viva daqueles tempo me arrastou para longe dela, em meio a problemas de toda ordem, crises na família, filhos drogados, clínicas psiquiátricas. De repente, soube que ela havia sido internada num hospital em estado grave. Localizei o hospital, telefonei para o seu quarto e acertei com a pessoa que me atendeu ir visitá-la no dia seguinte. Mas, ao chegar à redação do jornal, antes de sair para a visita, a telefonista me passou um recado: "Clarice pede ao senhor que não vá vê-la no hospital. Deixe para visitá-la quando ela voltar para casa". E se ela não voltasse mais para casa? Dobrei o papel com o recado e guardei-o no bolso, desapontado.
Àquela noite, quando contei o ocorrido a minha mulher, ela explicou: "Clarice, vaidosa como era, não queria que você a visse no estado em que estava". Pode ser, mas, de qualquer forma, até hoje lamento não ter podido vê-la uma última vez.
Dois ou três dias depois do recado, ela morria. Ao sair do banho, pela manhã, alguém me informou: "Clarice Lispector morreu". De viagem marcada para São Paulo, entrei num táxi que me levou pela lagoa Rodrigo de Freitas. Não poderia ir a seu sepultamento. O táxi corria dentro de uma manhã luminosa, enquanto a brisa balançava alegremente os ramos das árvores. Clarice morrera e a natureza o ignorava. No avião, escrevi um poema falando nisso. Que mais poderia fazer?
Alguns meses atrás, quando aceitei fazer a curadoria da exposição sobre ela, no Museu da Língua Portuguesa, todas essas lembranças me acudiram. Ia ser bom voltar a pensar nela, reler seus livros, pois é neles e só neles que é possível reencontrá-la agora e nunca naquele saárico túmulo do Cemitério Israelita do Caju, aonde certo dia, sob sol escaldante, fui, com Cláudia Ahimsa, visitá-la. Não havia Clarice nenhuma sob aquela laje de pedra, sem flores. E não havia porque, de fato, o que Clarice efetivamente foi, o que fazia dela uma pessoa única e exasperada, era sua patética entrega ao insondável da existência -e a necessidade de escrever, de tentar incansavelmente dizer o indizível, mas certa de que, ao torná-lo dizível, o dissiparia.
Não obstante, isso era tudo o que valia a pena fazer na vida, conforme afirmou: "Quando não escrevo, estou morta".
Em compensação, quando a lemos, ressuscita.

sexta-feira, 18 de maio de 2007

O que é científico? - Rubem Alves

Era uma vez um jovem que amava xadrez. Sua vocação era o xadrez. Jogar xadrez lhe dava grande prazer. Queria passar a vida jogando xadrez. Nada mais lhe interessava. Só lia livros de xadrez. Estudava as partidas dos grandes mestres. Só conversava sobre xadrez. Quando era apresentado a uma pessoa sua primeira pergunta era: Você joga xadrez? Se a pessoa dizia que não ele imediatamente se despedia. Tornou-se um grande mestre. Mas o seu sonho era ser campeão.
Derrotar o computador. Até mesmo quando andava jogava xadrez. Por vezes, aos pulos para frente. Outras vezes, passinhos na diagonal. De vez em quando, dois pulos para frente e um para o lado. As pessoas normais fugiam dele porque ele era um chato. Só falava sobre xadrez. Nada sabia sobre as coisas do mundo como pombas, beijos e sambas. Não conseguia ter namoradas porque seu único assunto era xadrez. Suas cartas de amor só falavam de bispos, torres e roques. Na verdade ele não queria namoradas.
Queria adversárias. Essas coisas como jogo de damas, jogos de baralho, jogo de peteca, jogo de namoro eram inexistentes no seu mundo. Inclusive, entrou para uma ordem religiosa. Eu viajei ao lado dele, de avião, de São Paulo para Belo Horizonte. Cabeça raspada.
Durante toda a viagem rezou o terço. Não prestei atenção mas suspeito que as contas do seu terço eram peões, cavalos e bispos. Sua metafísica era quadriculada. Deus é o rei. A rainha é nossa senhora. O adversário são as hostes do inferno.
As pessoas normais brincam com muitos jogos de linguagem: jogos de amor, jogos de poder, jogos de saber, jogos de prazer. jogos de fazer, jogos de brincar. Porque a vida não é uma coisa só. A vida é uma multidão de jogos acontecendo ao mesmo tempo, uns colidindo com os outros, das colisões surgindo faiscas. Uma cabeça ligada com a vida é um festival de jogos. E é isso que faz a inteligência. Mas o nosso heroi, coitado, era cabeça de um jogo só. Jogava o tal jogo de maneira fantástica. Especializou-se. Sabia tudo sobre o assunto. E, de fato, sabia tudo sobre o mundo do xadrez. Mas o preço que pagou é que perdeu tudo sobre o mundo da vida. Virou um computador ambulante, computador de um disquete só. Disquetes são linguagens. O corpo humano, muito mais inteligente que os computadores, é capaz de usar muitos disquetes ao mesmo tempo. Ele passa de um programa para outro sem pedir licença e sem pensar. Simplesmente pula, alta.
Inteligência é isso: a capacidade de pular de um programa para outro, de dançar muitas danças ao mesmo tempo. O humor se nutre desses pulos. O riso aparece no momento preciso em que a piada faz a inteligência pular de uma lógica para uma outra. Há a piada dos dois velhinhos que foram ao gerontologista que, depois de examiná-los, prescreveu uma dieta de comidas e remédios a ser seguida por duas semanas. Passadas as duas semanas, voltaram. O resultado deixou o médico estupefato. A velhinha estava linda: sorridente, saltitante, toda maquiada. O velhinho, um caco, trêmulo, pernas bambas, dentadura frouxa, apoiado na mulher. Como explicar isso, que uma mesma receita tivesse produzido resultados tão diferentes? Depois de muito investigar o médico atinou com o acontecido. "- Mas eu mandei o senhor comer avêia três vezes por dia e o senhor comeu avéia três vezes por dia?" O riso aparece no jogo de ambiguidade entre avêia e avéia. O nosso heroi nunca ria de piadas porque ele só conhecia a lógica do xadrez, e o riso não está previsto no xadrez. A inteligência do nosso heroi não sabia pular. Ela só marchava. Faz muitos anos, um filósofo chamado Herbert Marcuse escreveu um livro ao qual deu o título de O homem unidimensional . O homem unidimensional é o homem que se especializou numa única linguagem e vê o mundo somente através dela. Para ele o mundo é só aquilo que as redes da sua linguagem pegam. O resto é irreal.

A ciência é um jogo. Um jogo com suas regras precisas. Como o xadrez. No jogo do xadrez não se admite o uso das regras do jogo de damas. Nem do xadrez chinês. Ou truco. Uma vez escolhido um jogo e suas regras, todos os demais são excluidos. As regras do jogo da ciência definem uma linguagem. Elas definem, primeiro, as entidades que existem dentro dele. As entidades do jogo de xadrez são um tabuleiro quadriculado e as peças. As entidades que existem dentro do jogo lingüístico da ciência são, segundo Carnap, "coisas-físicas", isso é, entidades que podem ser ditas por meio de números. Esses são os objetos do léxico da ciência. Mas a linguagem define também uma sintaxe, isso é, a forma como as suas entidades se movem. Os movimentos das peças do xadrez são definidos com rigor. E assim também são definidos os movimentos das coisas físicas do jogo da ciência.
Kuhn, no seu livro Estrutura das Revoluções Científicas, diz que os cientistas fazem ciência pelos mesmos motivos que os jogadores de xadrez jogam xadrez: querem todos provar-se "grandes mestres".
Para se atingir o nível de "grande mestre" no xadrez ou na ciência é necessária uma dedicação total. Conselho ao cientista que pretende ser "grande mestre": lembre-se de que, enquanto você gasta tempo com literatura, poesia, namoro, em conversas no bar DALI, há sempre um japonês trabalhando no laboratório noite adentro . É possível que ele esteja pesquisando o mesmo problema que você. Se ele publicar os resultados da pesquisa antes de você, ele, e não você, será o "grande mestre."
O pretendente ao título de "grande mestre" deve se dedicar de corpo e alma ao jogo da ciência. O cientista que assim procede ficará com conhecimentos cada vez mais refinados na sua área de especialização: ele conhecerá cada vez mais de cada vez menos. Mas, à medida que o seu "software" de linguagem científica se expande, os outros "softwares" vão se atrofiando. Por inatividade. O cientista se transforma num "homem uni-dimensional": vista apurada para explorar a sua caverna, denominada "área de especialização", mas cego em relação a tudo o que não seja aquilo previsto pelo jogo da ciência. Sua linguagem é extremamente eficaz para capturar objetos físicos. Totalmente incapaz de capturar relações afetivas. Se não houvesse homens no mundo, se o mundo fosse constituido apenas de objetos, então a linguagem da ciência seria completa. Acontece que os seres humanos amam, riem, têm medo, esperanças, sentem a beleza, apaixonam-se por ideais. Meteoros são objetos físicos. Podem ser ditos com a linguagem da ciência. A ciência os estuda e examina a possibilidade de que, eventualmente, um deles venha a colidir com a terra.
Dizem, inclusive, que foi um evento assim que pôs fim aos dinossauros. A paixão dos homens pelos ideais não é um objeto físico. Não pode ser dita com a linguagem da ciência. No entanto, ela é um não-objeto que têm poder para se apossar dos homens que, por causa dela se tornam heróis ou vilões, fazem guerra e fazem paz. Mas um projeto de pesquisa sobre a paixão dos homens pelos idéias não é admissível na linguagem da ciência. Não não seria aceito para ser publicado numa revista científica indexada internacional. Não é científico.
A ciência é muito boa - dentro dos seus precisos limites. Quando transformada na única linguagem para se conhecer o mundo, entretanto, ela pode produzir dogmatismo, cegueira e, eventualmente, emburrecimento.

segunda-feira, 14 de maio de 2007

O mal das religiões - ATEU - RICARDO BONALUME NETO

Era um garoto que amava os Beatles e os Rolling Stones e estudou num colégio católico liberal. Por isso fiquei chateado ao ouvir John Lennon em "Imagine" cantar como seria bom o mundo sem religião. Demorou para cair a ficha. Aos poucos o adolescente começou a entender a história e o papel das religiões no mundo. Como elas causam guerras, reprimem a sexualidade, prejudicam o avanço da ciência. Inquisição, talebãs, criacionismo, neoevangélicos movidos a dinheiro dos pobres: a lista de barbaridades praticadas pelas religiões organizadas e por seus seguidores mais fanáticos é imensa.
Sobraria "deus" (com minúscula). Afinal, o ente "superior" não pode ser diretamente vinculado às bobagens feitas em seu nome. Mas para que serve deus? Desta vez John Lennon não me chateou quando cantou que "deus é um conceito pelo qual medimos nossa dor". Ah, me dizem, quando você estiver muito doente, vai encontrar deus. Bem, ainda não aconteceu, nem quando estive internado com pneumonia. Fiquei num quarto com um colega com câncer no pulmão. Quando foi feito o teste para saber se tinha a doença, ele pegou o envelope das mãos do médico e correu para uma igreja para abri-lo ali. Não adiantou.
Para explicar o mundo, deus é desnecessário. Mesmo que a ciência nunca explique tudo, é melhor ser humilde e reconhecer limitações do que procurar uma explicação fácil e reconfortante: "Foi deus".

sexta-feira, 11 de maio de 2007

Sou católico, apostólico, baiano - CANDOMBLÉ - NIZAN GUANAES

Sou devoto de Santo Antônio e de Nossa Senhora do Carmo. Entrei no candomblé, tardiamente, aos 20 e tantos anos. Fui consertar o telhado do Gantois, e o Gantois consertou minha vida. O candomblé não é religião. É culto aos antepassados, às forças da natureza. É moderno. Já era ecológico antes que a ecologia entrasse em voga. Não exclui opções sexuais. Ao contrário, acolhe. Os deuses do candomblé têm ira, inveja e raiva. Xangô é colérico. Oxum é ciumenta e chorosa. Ogum tem o pavio curto.
Não é muito chique ser do candomblé. Pelo menos na parte do país em que vivo. Como toda cultura vinda dos vencidos, é visto como desvio, coisa de gente desajustada ou artista. E confesso que isso, ao contrário de me afastar dele, sempre me instigou a caminhar contra o vento. Toda sexta-feira vejo o olhar jocoso com que algumas pessoas me olham vestido de branco.
O candomblé é o culto do bem. Tantas vezes confundido com feitiço. Se alguém usou esses poderes santos para o mal, é descaminho. E contra ele a força deve ter se voltado. O catolicismo não pode ser julgado a partir de padres pedófilos. E o candomblé não pode ser julgado a partir de pais-de-santo picaretas. Candomblé é magia. Aquela energia que a gente sente na Bahia vem dele. Aquela música, aquela sensualidade e aquela pimenta vêm dele. Sua Santidade, por ser padre e alemão, talvez não consiga assimilar tudo isso. Mas não posso negar o bem que mãe Cleusa me fez e que mãe Stella me faz. E o bem que elas fazem pelos pobres.
O candomblé sempre foi e continua pobre. Não tem catedrais, nem TVs, nem rádios. Não faz coleta de dinheiro. Ao contrário, as grandes mães-de-santo doam. Vivem franciscanamente. E nunca fizeram voto de pobreza. Porque os pobres não precisam disso.
Saúdo sua Santidade e peço a Xangô e a Oxum que guiem seus caminhos para que ele possa ser uma grande mãe ao longo de seu papado. Que, além de encíclicas e regras, ele nos dê colo e carinho. Que ele seja uma espécie de mãe Menininha global. Porque, ao fazer isso, honrará o trono de Pedro e terá cumprido, no fim de seu papado, seu papel no tempo e na história.

terça-feira, 8 de maio de 2007

Elaborando a condição judaica - Judaísmo - MOACYR SCLIAR

Diferente do que pensam os preconceituosos, o judaísmo está longe de ser uma coisa só, uma entidade monolítica (e conspiratória). A aproximação ao judaísmo varia amplamente: pode ser religiosa, pode ser tradicional, pode ser cultural. Nunca recusei minha condição judaica. Nascido e criado no Bom Fim, o bairro dos imigrantes judeus de Porto Alegre, desde muito cedo tive uma intensa vivência comunitária: ouvia falar iídiche, comia pratos da culinária judaica e, sobretudo, tive uma mãe judia daquelas de livro, superprotetora e alimentadora.
Mas isso não impediu que surgisse em mim a consciência da diferença e do estigma; a certa altura concluí que estava irremediavelmente condenado ao Inferno, onde queimaria por toda a eternidade. Muitos anos de vida (e muitos anos de análise) ajudaram a superar este e outros conflitos; hoje tenho orgulho do meu judaísmo.
Não sou religioso, mas a condição judaica vincula-me a uma rica cultura, exemplificada por nomes como os de Marx, Freud, Kafka, Benjamin, Bashevis Singer, Einstein e Chagall, que marcaram nosso mundo. E, conflitos à parte, o Estado de Israel é um exemplo de dinamismo e de progresso. Um provérbio em iídiche diz que "é duro ser judeu". Verdade. Mas é gratificante também.

domingo, 6 de maio de 2007

Apagão celular - ELIANE CANTANHÊDE

Só para citar dois pólos: os celulares são campeões de reclamação no Procon tanto do rico São Paulo quanto do pobre Sergipe.
Antes de optar. consulte a lista das mais denunciadas. E fuja!
As reclamações vão desde problemas nos aparelhos (defeitos, falta de peças...) até a prestação de serviço pelas operadoras, que vai de mal a pior. Inclusive porque elas dão de ombros para o que seriam os controles de Estado, como a Anatel, agência reguladora, e os próprios Procons. É como se estivessem acima das instâncias de defesa do consumidor -leia-se: contribuinte.
As suspeitas/acusações são de jeitinhos para cobranças indevidas, exorbitantes. As contas não chegam em domicílio. Se você tenta por telefone, passa por verdadeiras sessões de tortura. Se busca pessoalmente nas lojas, só contêm o total, sem detalhar os gastos.
Para ter a conta completa, é preciso senha, uma espera que pode durar duas, três horas e ainda muita paciência para enfrentar a falta de paciência do funcionário. Sabe como é: se a empresa está acima do Estado, o funcionário está acima de você. Simples assim. No final, aparece uma conta milionária.
Você pode fazer uma, duas, dez reclamações protocoladas na empresa, durante meses a fio, indo de um ano a outro, e nada. Aí, você recorre à Anatel e descobre que é preciso uma Anatel da Anatel, que não resolve nada. Aí, você cai no Procon, que resolve para uns, não para outros. Aí, só resta a Justiça -e você sabe como a Justiça é.
Depois de cancelada a conta, pior ainda: a fatura do "resíduo" não chega, seu número não está mais no sistema, o débito vira juros e correção e você pode gritar, se esgoelar, enfartar, mas não vai conseguir... se desvincular da empresa. O cancelamento foi em março? Prepare-se para ficar pagando "juros" até junho, julho...
Kafkiano? Que nada. Kafka é fichinha perto disso.
PS - Saio de férias. Até a volta!

quinta-feira, 3 de maio de 2007

Comandantes comandados - CLÓVIS ROSSI

Uma coisa é o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciar, faz já quatro anos, a iminência do espetáculo do crescimento sem que o show jamais tenha sido encenado.
Outra coisa, bem mais grave, é seu colega George Walker Bush, também faz quatro anos, falar em "missão cumprida", em relação à Guerra do Iraque, apenas para que, no quarto aniversário do anúncio, o líder da maioria democrata, Harry Reid, diga o contrário: "A guerra está perdida". Estabelecida a diferença, passemos às semelhanças.
Semelhança 1 - Governos mentem. Faz muito tempo que o fazem, mas não deixa de ser surpreendente que continuem a fazê-lo -e até aumentem o tamanho das mentiras- em plena era da informação, que, supostamente, tudo devassa.
Semelhança 2 (e mais grave) -Quando não mentem por iniciativa própria, o fazem porque seus assessores mentem para eles. Caso de Lula: leigo em economia, jamais se animaria a anunciar o espetáculo do crescimento se algum "aspone" de grosso calibre não lhe tivesse soprado algo a respeito.
No caso de Bush, o livro de George Tenet, ex-chefe da CIA na época dos atentados do 11 de Setembro e da Guerra do Iraque, mostra um formidável círculo de assessores contando ao chefe mentiras sobre o vínculo entre a Al Qaeda e Saddam Hussein, para não falar das tais armas de destruição em massa.
Parece haver aí uma conclusão inescapável: as máquinas governamentais, ao menos em países grandes (ricos ou emergentes, não importa), escaparam ao controle dos eleitores e, pior ainda, de seus próprios chefes. Como mesmo os mais aplicados não conseguem saber de tudo -seja sobre a economia interna, seja sobre a situação em outro país-, não governam de fato. Reagem a comandos. Pode até dar certo, mas o risco é formidável, como o demonstra o Iraque.