A renúncia de Fidel Castro recebeu da imprensa daqui e do exterior tratamento de obituário, com direito a balanço de vida e obra, e aquele tom de despedida. Obituário é a última homenagem que os jornais prestam aos mortos. Na verdade, havia razão para isso. A desistência teve muito de morte política. O que, no caso de um personagem histórico, é pior do que a morte biológica (a propósito, só Lula não viu que o amigo estava com o "estado de saúde precário".
No mês passado, saiu da visita ao enfermo dizendo que a saúde de Fidel era "impecável" e que ele estava "pronto para assumir o papel que tem em Cuba"). Para a minha geração, que acompanhou a saga dos heróis de Sierra Maestra, fazendo deles seus ídolos, foi melancólico. Camilo Cienfuegos e Che Guevara nos tinham acostumado a só sair de cena pela morte, que é como saem os mitos. Se era para se retirar desse jeito, por que não antes? Em 1995, quando o escritor Rubem Fonseca e eu estivemos em Cuba para o Prêmio Casa das Américas, já era visível o ocaso do comandante.
Num jantar no Palácio, assistimos a cenas incríveis. Cercado por um imenso cordão de puxa-sacos, o ditador se exibia para uma platéia cativa que achava graça em tudo o que ouvia. Depois, numa longa entrevista que nos deu (na saída, mandou um assessor recolher as fitas), respondeu a uma pergunta sobre por que não deixava o poder. Resignado, suspirou: "No puedo. Bem que gostaria, mas não há condição. Eles não deixam." "Eles" era o povo.
Divertido também foi vê-lo vangloriar-se de andar na rua sem segurança, e em seguida ser acompanhado ao banheiro por dois guarda-costas. Estava conosco Senel Paz, autor do livro "O lobo, o bosque e o homem novo", que dera origem ao filme "Morango e chocolate". O escritor não era um dissidente, apenas um crítico do regime. Cuba já tinha consagrado o livro e o filme, mas o comandante se recusava a ler e a ver a história de um jovem comunista que se torna amigo de um artista gay.
O clima cultural lembrava o do Brasil dos anos 70. O país enfrentava a crise causada pelo colapso da URSS, e já se percebiam os efeitos do turismo de massa na rua: vendedores clandestinos de charuto e meninas oferecendo o corpo por dinheiro. Chamava a atenção, sobretudo, a distância entre o atraso no campo dos direitos humanos -censura, presos políticos -- e o avanço no terreno das conquistas sociais -- altos níveis de alfabetização, baixas taxas de mortalidade infantil, invejável IDH.
Era como se liberdade de expressão e justiça social fossem incompatíveis. Se então, ou antes ou depois, tivesse conciliado as duas coisas, o autor de "A História me absolverá" certamente seria absolvido por ela. Agora, dificilmente.
No mês passado, saiu da visita ao enfermo dizendo que a saúde de Fidel era "impecável" e que ele estava "pronto para assumir o papel que tem em Cuba"). Para a minha geração, que acompanhou a saga dos heróis de Sierra Maestra, fazendo deles seus ídolos, foi melancólico. Camilo Cienfuegos e Che Guevara nos tinham acostumado a só sair de cena pela morte, que é como saem os mitos. Se era para se retirar desse jeito, por que não antes? Em 1995, quando o escritor Rubem Fonseca e eu estivemos em Cuba para o Prêmio Casa das Américas, já era visível o ocaso do comandante.
Num jantar no Palácio, assistimos a cenas incríveis. Cercado por um imenso cordão de puxa-sacos, o ditador se exibia para uma platéia cativa que achava graça em tudo o que ouvia. Depois, numa longa entrevista que nos deu (na saída, mandou um assessor recolher as fitas), respondeu a uma pergunta sobre por que não deixava o poder. Resignado, suspirou: "No puedo. Bem que gostaria, mas não há condição. Eles não deixam." "Eles" era o povo.
Divertido também foi vê-lo vangloriar-se de andar na rua sem segurança, e em seguida ser acompanhado ao banheiro por dois guarda-costas. Estava conosco Senel Paz, autor do livro "O lobo, o bosque e o homem novo", que dera origem ao filme "Morango e chocolate". O escritor não era um dissidente, apenas um crítico do regime. Cuba já tinha consagrado o livro e o filme, mas o comandante se recusava a ler e a ver a história de um jovem comunista que se torna amigo de um artista gay.
O clima cultural lembrava o do Brasil dos anos 70. O país enfrentava a crise causada pelo colapso da URSS, e já se percebiam os efeitos do turismo de massa na rua: vendedores clandestinos de charuto e meninas oferecendo o corpo por dinheiro. Chamava a atenção, sobretudo, a distância entre o atraso no campo dos direitos humanos -censura, presos políticos -- e o avanço no terreno das conquistas sociais -- altos níveis de alfabetização, baixas taxas de mortalidade infantil, invejável IDH.
Era como se liberdade de expressão e justiça social fossem incompatíveis. Se então, ou antes ou depois, tivesse conciliado as duas coisas, o autor de "A História me absolverá" certamente seria absolvido por ela. Agora, dificilmente.
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