domingo, 22 de julho de 2007

Toque e arremetida - IVAN SANT'ANNA

As autoridades aeronáuticas divulgaram imagens, colhidas na terça-feira, do circuito interno de televisão do aeroporto de Congonhas. Elas mostram duas aeronaves A320, da TAM, se movimentando pela pista na mesma direção. Uma delas percorre o trecho coberto pela câmera em 12 segundos. A outra, em apenas três. Esta última era o fatídico vôo JJ-3054. Essa diferença é apontada como sinal de que o 3054 ia rápido demais. Diagnóstico errado!
A aeronave "lenta" estava pousando. A outra, arremetendo. Ou seja, o piloto da primeira fazia todos os esforços para parar, enquanto o comandante do 3054 lutava para adquirir sustentação e voltar a voar. Desde as primeiras aulas de vôo, nos aeroclubes, os pilotos aprendem uma manobra chamada "toque e arremetida". Pousa-se, acelera-se e decola-se de novo. No início, é estressante. O aluno acaba de aterrissar e o instrutor grita: - Arremete! - Nesse instante, é preciso levar as manetes (os aceleradores) à frente e decolar antes que a pista acabe. Com o tempo, vira rotina.
Os passageiros mais voados costumam passar pela experiência de uma arremetida duas ou três vezes na vida. Já os pilotos de jatos comerciais fazem isso centenas de vezes, nos simuladores de vôo. Portanto estão aptos para isso. Já sabem, de cor e salteado, as providências necessárias para abortar um pouso e reiniciar o vôo.
O que interessa descobrir, no caso do JJ-3054, são as razões que levaram o comandante Di Sacco a arremeter o Airbus. E, principalmente, por que motivo essa arremetida não deu certo, fazendo com que a aeronave guinasse para a esquerda, ultrapassasse o limite do campo e, sem ganhar a sustentação necessária para voar, saltasse sobre a avenida e se chocasse contra o prédio do outro lado.
Na cauda do A320 havia duas caixas-pretas, recuperadas pelas equipes de investigação. Uma delas, o CVR (Cockpit Voice Recorder), grava as conversas travadas na cabine de comando nos 30 minutos que antecederam o desastre. A outra, o FDR (Flight Data Recorder), registra os procedimentos adotados pelos pilotos no vôo.
Neste momento, nos Estados Unidos, um perito já deve estar se debruçando sobre os dados dessas caixas-pretas. Ele irá descobrir, sem dificuldades, o que aconteceu nos momentos que antecederam o desastre. O avião pode ter aquaplanado (na pista novinha, lisa feito um sabonete, inaugurada e posta em funcionamento sem as ranhuras), pode ter chegado ao solo com velocidade excessiva, algum equipamento (um reverso, por exemplo) pode ter falhado ou algum instrumento pode ter apresentado uma leitura errada. São diversas as hipóteses.
A segunda resposta (porque o A320 não atingiu a velocidade necessária para decolar) também está gravada nas caixas-pretas. Hesitação, ausência de um procedimento (recolher os freios aerodinâmicos, por exemplo), um comando errado. Tudo está lá e vai aparecer. E entrará para os manuais da aviação, será ensinado nas escolas de vôo. Entre todas essas especulações, uma conclusão já pode ser tirada: os pilotos do JJ-3054 estavam no pior dos mundos: muito rápidos para pousar, muito lentos para arremeter.

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