terça-feira, 24 de julho de 2007

A precisão e o pudor - BIA ABRAMO

Na noite do acidente, o noticiário de TV errou muito, chutou ainda mais e, de maneira geral, revelou uma desajeitada falta de pudor.

O adjetivo mais repetido referia-se ao estado das vítimas, que não bastassem estar mortas, recebiam a descrição terrível -vamos declinar dela aqui- a cada menção.
O erro e a especulação são quase da natureza desse tipo de cobertura, bem como a desinformação proposital por parte dos envolvidos, a omissão e a falta de transparência de autoridades. É imprevisível, as condições de apuração são precárias e o trabalho do jornalista é o de se orientar, inclusive literalmente, entre os escombros.
Os números, por exemplo, custaram a se fixar - eram 162? 170? 175? A trajetória do avião até se chocar com o prédio também permaneceu misteriosa por boa parte da noite.
Nesse sentido, patinam todas as emissoras. Mas também acertam, no improviso, no acaso e no talento individual. A Bandeirantes e a Cultura ganharam em agilidade de reportagem; a Globo, tanto no "Jornal Nacional" como nos boletins que cortaram a programação que seguia num estranho estado de normalidade, em edições mais completas e mais consistentes.
O erro de tom, os deslizes nos detalhes, entretanto, são de outra espécie e envolvem, no fundo, uma concepção de que jornalismo se quer praticar. De novo, nesse sentido também todas desafinam. De editorialização da tragédia a sensacionalismo francamente sádico, havia de tudo um pouco e muito, mas muito mesmo, da famosa insensibilidade da mídia.
Não é para obedecer ao princípio de precisão que se repete, à exaustão, a informação de como deveriam estar os corpos depois de um choque e um incêndio de uma brutalidade, a bem dizer, inomináveis. Estamos na televisão e, portanto, eles são bastante visíveis -as imagens, a princípio, indecifráveis, iam pouco a pouco tornando-se legíveis.
O prédio em chamas, dificílimas de debelar, a cauda do avião, só ela, bem vermelha da pintura e com o logotipo da TAM, bem nítidos- o sentido, o horror, configurava-se a qualquer um que lhe dedicasse atenção.
Não precisava dizer, não precisavam dizer tantas vezes.

Um comentário:

Anônimo disse...

Perche non:)