Sempre
que escrevo sobre a violência me dá uma sensação de inutilidade. Quando vejo os
movimentos de solidariedade, bandeiras brancas, pombas da paz, atores nas ruas,
burgueses falando em cidadania, me dá uma sensação de perda de tempo.
Nós
tratamos os criminosos como se fossem “desviantes” de nossa moral, como gente
que se “perdeu” da virtude e caiu no “pecado”, no mundo do crime. Não é nada
disso. Eles são os novos empregados de uma multinacional. O único emprego que
lhes foi oferecido no último século: a megaempresa da cocaína. Ela trouxe o
poder sobre as comunidades que, somado à ignorância e à miséria, criou a
crueldade sem limites, à bruta guerra animalesca. Os bandidos violentos são
quase uma mutação da “espécie social”, fungos de um grande erro sujo do qual nós
somos cúmplices.
Hoje,
nós é que ficamos caretas diante deste mundo periférico que não se explica,
gerando outra ética, funérea, sangrenta. A miséria armada é uma outra nação, no
centro do Insolúvel. Essa gente era anônima; estão ganhando notoriedade na
mídia. São vazios objetos de uma corrente de pó; nós, pequenos burgueses, é que
víamos neles uma vaga consciência “política” de marginais. Achamos até que eles
querem calar a imprensa. Nada. Mataram por matar, chamaram o Tim de X-9 e “já
era” – disseram eles.
Nós
é que estamos lhes fornecendo uma “ideologia”. Mas, não quero ficar deitando
sociologia barata sobre a violência. Quem sou eu? Mas, vejo com um mínimo de
bom senso que os vilões também somos nós. Eles são a prova de nosso despreparo.
Os incapazes somos nós, ainda crentes de leis inúteis, coerções superadas, de
polícias falidas. Nós não fizemos nada quando as favelas eram pequenas. A
miséria era dócil – podia ser ignorada. Agora, se não agirmos, isso vai virar
uma endemia eterna. A lei não consegue nem instalar anti-celulares nas cadeias
e fica encenando comboios para a mídia, com cem policiais para levar o Beira
Mar para outra cadeia.
Ninguém
consegue resolver nada porque os instrumentos de defesa pública estão engarrafados
numa rede de burocracias, fisiologismos, leis antigas, velhos conceitos que são
facilmente superados pela eficiência “pós-moderna” dos bandidos, diretamente
ligados ao ato, ao fato, à instantaneidade do mal e sem freios éticos. Eles têm
a mesma vantagem dos terroristas. Muito lero-lero racionalista ocidental, ciência,
democracia e, aí, chega um arabezinho maluco com uma bomba e arrasa o shopping
center.
Eles
são uma empresa moderna. Nós somos o Estado ineficiente. Eles agilizam métodos
de gestão, são rápidos e criativos. Nós somos lentos e burocráticos. Eles lutam
em terreno próprio. Nós, em terra estranha. Eles não temem a morte. Nós
morremos de medo. Eles são bem armados. Nós, de “trêsoitão”.
Eles
ganham muita grana. (Um “aviãozinho” de 15 anos ganha mais por semana que um PM
por mês.) Eles estão no ataque. Nós, na defesa... Nós nos horrorizamos com
eles. Eles riem de nós. Nós os transformamos em superstars do crime. Eles nos
transformam em palhaços. Eles são protegidos pela população dos morros, por
medo ou vizinhança. Nossas polícias são humilhadas e ofendidas por nós.
Ninguém
suborna bandido. Eles compram policiais mal pagos. Um que ganha 700 paus por mês
não tem ânimo para combater ninguém. Eles não esquecem da gente nunca, pois
somos seus fregueses. Nós esquecemos deles logo que passa uma crise de
violência.
A
droga e as armas vêm de fora. Eles são globais. Nós somos regionais. Alguma
vitória só poderá vir se desistirmos de defender a “normalidade” de nosso
sistema, pois não há mais normalidade nenhuma; precisamos de uma urgente
autocrítica de nossa ineficiência. O combate ao crime passa pelo combate ao
nosso descaso e incompetência. A luta contra o tráfico, é óbvio, começa lá
longe, nas fronteiras. Por lá entram as armas e o pó. Não adianta subir e
descer de morros. Temos de fechar as fronteiras.
A
luta contra o crime não é mais uma luta policial; não é mais a Lei contra o
Pecado. Não. O crime cresceu tanto que se tornou um problema de Estado-Maior.
Sim. Trata-se uma luta política e, mais que isso, uma luta policial militar.
Acho que tem de haver sim uma séria articulação das Forças Armadas com as
polícias. Tem de haver generais estudando estratégias e logísticas de cercos e
ataques. Meses de estudo, planos secretos, dinheiro, muito dinheiro e milhares
de homens com armas modernas. E tudo isso coordenado com campanhas de esclarecimento
e de proteção às comunidades que eles “protegem”.
“Ahh...
– alguns vão gritar – o Exército não foi treinado para isso!” Pois, que seja
treinado. Trata-se de uma guerra. Ou não? Não combateram a guerrilha urbana,
com implacável ferocidade e competência?
Aposto
que outros dirão: “O Exército não é para crimes comuns; é para guerras
maiores...” Para quê? A invasão da Argentina? A guerra que se anuncia é
subversiva no pior sentido. Não aspira a uma ordem nova. Só quer uma vingança
obtusa e a manutenção da miséria como refúgio. No fundo, muitos não admitem a
ação das Forças Armadas, porque desejam ocultar a derrota de um sistema legal e
policial.
Pois
que seja. Nosso fracasso tem de ser assumido. Do contrário, continuaremos atrás
das grades de nossos condomínios, dizendo: “Que horror!” para sempre.
Crime
hediondo é que isto não seja uma prioridade nacional. A tragédia das periferias
brasileiras me lembra um terremoto ignorado, para o qual ninguém enviou
patrulhas de salvamento. Já houve a catástrofe e todos nós tentamos esquecê-la,
trêmulos de medo, blindados, com os “socilites” cheirando o pó molhado de
otários, perpetuando esse poder paralelo, que tende a crescer.
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