quinta-feira, 14 de julho de 2011

O poder do capacete - NELSON MOTTA

Qualquer pessoa que exerce atividade de risco usa capacete. De metal, de fibra ou de plástico, sempre coloridos, eles protegem pilotos de carros, motos e aeronaves, operários de usinas, minas, fábricas e construções, além de militares, policiais e bombeiros. É um símbolo forte de trabalho, de ação e de perigo, e até mesmo de coragem, porque pressupõe os riscos de quem o usa.
Depois do cocar de penas que os caciques indígenas oferecem aos caciques políticos, e que eles hesitam em colocar na cabeça pela crença de que traz má sorte, é com o capacete de segurança que eles ficam mais engraçados, visitando obras, fábricas e usinas.
Até o fechamento desta edição, não havia registro de nenhum caso de um político que tenha sido salvo de algum dano na cabeça pelo capacete. Aliás, jamais aconteceu qualquer acidente com alguém nessas inaugurações e visitas.
O pessoal que pega no pesado nas obras e corre riscos reais é que precisa usar, mas, quando os caciques os visitam, tudo vira um teatrinho, sem nenhuma atividade que possa provocar riscos ou sustos. Mesmo assim eles não dispensam o capacete, apesar do paletó e da gravata. E ficam todos com aquela cara ... reparem só.
Respeitáveis homens públicos, grandes estadistas, líderes carismáticos, ninguém resiste ao ridículo com aquele penico colorido encarapitado no cocuruto, sempre parecendo não lhes caber direito na cabeça. Talvez o problema não seja o tamanho dos capacetes, que os há para cabecinhas e cabeçorras, mas a falta de prática dos usuários. Mulheres então, coitadas ...
Estas são imagens clássicas dos políticos no poder, lançando, tocando e inaugurando as suas obras. Não há campanha eleitoral sem elas. Não há politica no Brasil sem ele, o capacete.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Até tu, Brutus, meu filho?!? - LULI RADFAHRER

Um automóvel é uma invenção maluca. Cem automóveis são uma novidade com tantos problemas de infraestrutura que tem cara de moda passageira. Dez mil automóveis dão a seus donos uma sensação de estilo e exclusividade. Um por família faz com que o urbanismo se reconfigure. Um por pessoa obriga todos a mudarem seu estilo de vida.
Um celular é ficção científica. Mil celulares parece capricho de gente rica, sem bateria ou sinal confiável. Um aparelho por família impacta o trabalho e a segurança. Um por pessoa muda indústrias e instituições que nunca o levaram a sério. Uma câmara em cada um redefine comércio, serviços, turismo, cidadania e privacidade.
Novas tecnologias impressionam exatamente por serem inéditas. Sua primeira versão costuma ser um trambolho que mal funciona, oferecendo, à custa de muito esforço, uma vantagem marginal com relação aos processos que substitui. Seu aperfeiçoamento é lento e irregular. Quando finalmente amadurecem, se tornam invisíveis. É exatamente nesse ponto que transformam a vida de quem tem contato com elas. Só se pensa na importância da energia elétrica ou do saneamento básico quando deixam de funcionar.
Ninguém levaria a sério alguém que dissesse que um produto inventado daqui a cinco anos seria, daqui a uma década, maior do que toda a internet. No entanto foi isso o que aconteceu com o YouTube. Criado em 2005, em 2010 ele ocupava, sozinho, mais banda do que toda a rede na virada do século.
Uma tecnologia é a manifestação física de ideias. Como toda ideia, pode dar errado por ser popular. É o que acontece com os adolescentes internados por problemas cardíacos derivados do excesso do consumo de energéticos. Ideias bem-intencionadas também podem falhar porque tornam possíveis novos problemas que jamais existiriam se elas não surgissem. Computadores e smartphones velozes e conectados permitem o trabalho ininterrupto e forçam seus usuários a jornadas de intensidade e duração nunca imaginadas. Em zonas de guerra, estilhaços de mísseis interceptados caindo aleatoriamente podem provocar mais danos do que os próprios mísseis.
A integração das tecnologias cria sistemas complexos e interdependentes. Por mais que sejam planejados para evitar danos, quando os improváveis se acumulam, os efeitos podem ser catastróficos. É o que se viu em Fukushima e Tchernobil, mas também é o que se vê em acidentes bem mais próximos, como a queda do voo AF 447.
Não faz sentido se opor à tecnologia. Isso é bobagem de rico. Quem está do outro lado da barreira da exclusão não pensa se deve adotar esta ou aquela máquina, mas simplesmente quando irá fazê-lo. É fundamental, no entanto, compreender a novidade. Ninguém de bom senso quer uma web com menos páginas, mas todos querem ferramentas melhores para selecionar a informação que existe lá. É por fazer esse filtro que Google, Twitter, Facebook e Wikipédia são populares.
Ideias, enfim, nascem para se procriar. Por mais que toda gestação possa camuflar uma gordura, o bebê é inevitável. Durante muito tempo, as técnicas foram como crianças, dependentes e previsíveis. A rede as colocou em sua adolescência. Quem não mudar o diálogo que tem com elas não terá como compreendê-las.

O demolidor - Bruno Vinícius

Crônica do Leitor do Blog

Estão demolindo o mundo! Foi o primeiro pensamento que tive pela manhã. Mas logo percebi que estava equivocado, porque estavam demolindo só metade. O homem que bate forte com a sua marreta não é necessariamente o culpado, provável que a marreta tenha mais culpa que ele. Responsável mesmo por toda essa destruição é o meu vizinho, que teve a ideia de quebrar a própria parede, espero que não seja pra levantar outra. Paredes são como preconceitos, impedem a visão. Mas a questão não é visionária e sim incomoda, pois é incrível como o barulho parece ser aqui dentro da minha casa; não há nada mais invasivo do que barulho de marreta, observação que me fez comprar uma. Agora não baterei mais palmas na casa de amigos, darei marretada no chão - alguém vai me atender.
Sei que parece muito egoísmo da minha parte implicar com a reforma do vizinho, porque talvez um dia eu também queira reformar, se não for a minha casa talvez seja a dele.
Aff...
Percebo que o Homem por trás da Marreta (isso daria um belo filme) tem certa técnica, e quando começa a ficar insuportável o barulho, e a gente, uma pessoa irreconhecível, ele para. A calma nos retorna como se tivesse ido comprar pão.
O fermento da calmaria age ao contrário, ao invés de crescer diminuí. Antônimo de guerra, paz. Mas o homem parece conhecer a panificadora e o efeito da massa, no tempo certo recomeça e no tempo errado para. Não sei se compliquei misturando pão com marreta, uma coisa é certa, meu café seria bem melhor se não tivesse marreta com pão.
O homem bate bem ao lado do quarto dos meus sobrinhos, que por incrível que pareça, dormem como anjinhos. Eles não poderiam dormir de outro jeito. E aí está a lição das crianças. Não se preocupem com as marretadas que a vida dá. Não posso desprezar o controle de Deus em toda essa situação. Porque até a ideia de reforma ele permitiu que o vizinho tivesse. Condições pra comprar a marreta e saúde para o demolidor. Pra mim a lição deve mesmo ser de paciência. E eu nunca quis aprender nada com tanta rapidez!